Será que o dinheiro muda mesmo tudo? A utilização de incentivos e desincentivos monetários na promoção de comportamentos saudáveis

Jean Adams, Centre for Diet & Activity Research, University of Cambridge

Em Portugal, é cobrado desde fevereiro de 2015 cerca de 10 cêntimos por cada saco de plástico descartável. O dinheiro cobrado desta forma reverte para o estado, e logo no primeiro ano desta medida, o uso de sacos de plástico em Portugal caiu 98%. Não é difícil concluir que um pequeno desincentivo monetário pode ter um grande impacto no nosso comportamento.

Será que os incentivos monetários para a mudança de comportamentos de saúde funcionam?

O que sabemos sobre o uso de incentivos ou desincentivos monetários na mudança dos comportamentos de saúde? A ideia tem vindo a crescer. Alguns países na América Central e do Sul  têm tentado implementar um  amplo programa de incentivos financeiros para encorajar as mães a seguirem os cuidados pré-natais recomendados, a imunizarem as suas crianças e, a inscrevê-las na escola. Por cada vez que uma mãe abrangida pelo programa cumpre um dos comportamentos requeridos, recebe do governo uma determinada quantia monetária. Há evidência encorajadora para o impacto positivo destes programas na saúde infantil, em países com baixo e médio rendimento.

Os países com rendimentos elevados têm sido mais lentos em aderir à ideia de utilizar incentivos monetários para promover a mudança de comportamentos de saúde. No entanto, a evidência científica tem crescido. Duas revisões sistemáticas da literatura recentes concluíram que estes programas podem ser eficazes e, que os seus efeitos duram por algum tempo após a cessação do incentivo. Há também pouca evidência que os incentivos financeiros prejudiquem a “motivação interna” para iniciar comportamentos saudáveis e, existe algum alguma evidência para o sucesso dos incentivos em alterar comportamentos “complexos”, difíceis de alterar, como é o caso da cessação tabágica.

 

Porque é que os incentivos monetários para a mudança comportamental em saúde não são  mais utilizados na prática?

Se os incentivos monetários para mudar comportamentos podem “funcionar” na teoria, já na prática eles são problemáticos. Para se atingir o potencial máximo de uma qualquer intervenção, todos têm de estar de acordo com a mesma ideia básica – desde os decisores políticos que desenham os serviços, aos trabalhadores no terreno que implementam o programa, ao público até aos que, no final, beneficiam do próprio programa.

Quando falamos com as pessoas sobre a possibilidade de usar incentivos monetários para para deixar de fumar, iniciar a prática de atividade física regular, proceder a imunização, ou a exames de rotina para rastreio do cancro, deparamo-nos com reações negativas. De uma forma geral, há um reconhecimento de que os incentivos podem encorajar algumas pessoas a iniciarem comportamentos mais saudáveis. Contudo, este fenómeno parece contrariado por um forte sentimento de que os incentivos são injustos para as pessoas que “fazem a coisa certa” sem nenhum incentivo. Há também um receio de que as pessoas poderão fazer batota e contornar o sistema mentindo sobre o seu comportamento para ganhar uma recompensa que, de outra forma, não teriam direito. O clima financeiro atual parece também estar alicerçado num sentimento de que distribuir dinheiro não é provavelmente a medida com a melhor relação custo-benefício, nem mesmo a medida mais económica, ou ainda, que a haver um incentivo, este deve ser de pequeno valor. Há sempre o receio que os beneficiários destes incentivos possam desperdiçar em produtos pouco saudáveis. Os decisores políticos estão também preocupados que os incentivos não abranjam os determinantes sociais mais amplos que influenciam os comportamentos não saudáveis e, que este tipo de intervenções sejam difíceis de defender perante a classe política e a comunicação social.

Em todos os estudos qualitativos que temos desenvolvido, os participantes tendem a sugerir abordagens alternativas para a promoção de comportamentos saudáveis, que passam pela educação e informação. Estas sugestões dos participantes são espontâneas e não em resposta a uma pergunta dos investigadores. Este é um exemplo de que oferecer um incentivo monetário, não é uma solução “óbvia” para a maioria das pessoas e, que outras vias deveriam ser exploradas primeiro.

É, no entanto, interessante notar que se encontram resultados bastante diferentes quando fazemos inquéritos online. Por duas vezes demonstrámos que as pessoas acham os programas para a mudança comportamental que incluem incentivos monetários, são tanto ou mais apelativos do que os que não usam esses incentivos. É possível que o anonimato da internet deixe as pessoas mais à vontade para expressarem o que realmente acham, enquanto que num grupo focal ou numa entrevista, as questões de “desejabilidade social” podem influenciar aquilo que as pessoas consideram aceitável dizer sobre os incentivos financeiros.

A cultura e o contexto também parecem ser importantes. Há alguma evidência de que os incentivos fiscais para os comportamentos de saúde são mais aceitáveis nos EUA do que no Reino Unido.  Uma razão para esta diferença, pode ser porque nos EUA é normal a ligação entre dinheiro e cuidados de saúde nos EUA (sistema de seguros de saúde), enquanto que o Reino Unido tem um servico nacional de saúde público.

 

Recomendações para a prática

Os incentivos financeiros podem certamente ser uma forma eficaz de ajudar as pessoas a mudarem comportamentos. Não são, porém, universalmente aceites. Qualquer programa de incentivo deve ser implementado com o cuidado de abordar as preocupações que as pessoas têm sobre estas estratégias. Estas podem incluir:

  • Distribuir incentivos de baixo valor, reduzindo as preocupações de que o dinheiro esteja a ser “desperdiçado”.
  • Distribuir vales de desconto em vez de dinheiro, para reduzir a probabilidade de que as recompensas sejam gastas em produtos menos saudáveis.
  • Assegurar que as intervenções são bem monitorizadas, para que as pessoas não contornem o sistema.
  • Incluir incentivos em programas de intervenção mais vastos que incluam estratégias de educação e informação sobre comportamentos saudáveis.

Pode ser também útil iniciar diálogos abertos e honestos nas comunidades, explorando quando, onde e como é que as intervenções com incentivos monetários são sentidas como mais apropriadas.

 

Tradução: Jorge Encantado, Marta Marques

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